Continuando com a breve história das minhas férias de outubro de 2021 em Campo Grande (MS), vamos à outra descoberta, mais inesperada que a anterior.
Certo dia, Thomaz Sinani, técnico da coleção zoológica da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, e Roullien Silva, aluno de graduação em Ciências Biológicas na UFMS, encontraram um quero-quero (Vanellus chilensis) atacando um animal serpentiforme em um gramado em plena cidade. Ao se aproximarem para ver que tipo de bicho era a presa, os dois acabaram espantando o quero-quero, que abandonou seu almoço: uma anfisbena. Os dois coletaram a anfisbena morta (parênteses: não precisa de autorização para coletar animais mortos) e levaram para a UFMS. Coincidentemente, eu estava na UFMS naquele dia e vi o animal. Era uma Amphisbaena roberti, espécie descrita pelo pesquisador estadunidense Carl Gans em 1964, cuja distribuição geográfica vai do Tocantins ao Paraná, com alguns registros também no Paraguai, em áreas de Cerrado, Mata Atlântica e Chaco. Com o auxílio do meu aluno de mestrado, Henrique Oliveira, nós fizemos uma revisão bibliográfica dos registros de ocorrência de A. roberti e dos registros de predação envolvendo a espécie. Publicamos na revista Reptiles & Amphibians um mapa atualizado da sua distribuição, onde mostramos que o registro em Campo Grande preenchia uma lacuna de 700 km entre as duas localidades mais próximas com presença confirmada da espécie. Também descobrimos que só duas espécies de serpentes já haviam sido reportadas como predadoras de Amphisbaena roberti. Ou seja, o registro do ataque pelo quero-quero é o primeiro a confirmar uma ave como predadora dessa anfisbena. Ótimas e inesperadas descobertas durante as férias!
Indivíduo de Amphisbaena roberti atacado por um quero-quero em Campo Grande, MS.
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AutorHenrique C. Costa Histórico
January 2024
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