Em um estudo publicado na revista científica francesa Zoosystema, nós esclarecemos a localidade-tipo do lagartinho brasileiro Ameivula ocellifera e escolhemos um neótipo para a espécie. Mas o que isso significa?
A espécie Ameivula ocellifera foi descrita originalmente em 1825 com o nome Tejus ocellifer pelo pesquisador germânico Johann Baptist von Spix, que percorreu diferentes regiões do Brasil entre os anos de 1817 e 1820. O texto de Spix dizia apenas que a espécie foi encontrada na "Bahia". Em 1877 a espécie passou a se chamar Cnemidophorus ocellifer e, em 2012, Ameivula ocellifera. Ao longo deste período, registros deste lagartinho pipocaram pela América do Sul, mas, nos últimos anos, cientistas notaram que o que vínhamos chamando de Cnemidophorus ocellifer ou Ameivula ocellifera não é uma, mas são várias espécies diferentes. Porém, os exemplares usados por Spix para descrever a espécie em 1825 se perderam após a II Guerra Mundial, e a informação de que foram coletados na "Bahia" é muito vaga. Isso faz com que cientistas se perguntem até mesmo qual população (ou quais populações) de lagartos é o "verdadeiro" Ameivula ocellifera descoberto por Spix? Para resolver esta questão, um time liderado pela Dra. Eliana Oliveira, do qual eu tive a honra de participar, se debruçou sobre a história deste lagartinho simpático. Nossa conclusão (que já havia sido proposta em 1981 por Paulo Vanzolini, usando argumentos distintos) é que Spix teria coletado em Salvador, Bahia os exemplares usados para descrever a espécie. A partir daí, escolhemos um exemplar coletado por membros da equipe em Salvador, como o neótipo, ou seja, o novo exemplar de referência que "carrega o nome" da espécie. Fizemos uma descrição bem minuciosa deste exemplar e material genético dele foi coletado visando estudos futuros. Também apresentamos uma comparação detalhada de como diferenciar o "legítimo" Ameivula ocellifera das outras 10 espécies do seu gênero. O verdadeiro A. ocellifera pode ser encontrado no sudeste da Caatinga (em Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia) e em parte da Mata Atlântica da Bahia, Sergipe e Alagoas. Populações da região central e norte da Caatinga provavelmente são outra espécie, cujo nome precisa ser definido. E registros de A. ocellifera no Norte e Centro-oeste do Brasil representam, na verdade, espécies ainda não descritas ou erros de identificação. A partir do nosso estudo vai ficar "menos difícil" desvendar a evolução deste grupo de lagartinhos e, quem sabe, descrever novas espécies.
O novo exemplar de referência (neótipo) da espécie Ameivula ocellifera, procedente de Salvador, Bahia, e atualmente preservado na Coleção Zoológica de referência da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (ZUFMS-REP 04144). Foto: Ricardo Marques. https://sciencepress.mnhn.fr/en/periodiques/zoosystema/44/19
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No segundo semestre de 2022 foi publicado um artigo liderado pelo amigo Mário Moura, sobre os fatores que levam serpentes e anfisbênias ("cobras-de-duas-cabeças") a quebrarem a própria cauda como estratégia defensiva. Eu fui um dos autores do estudo, cuja versão "definitiva" saiu no começo de 2023 (a única diferença entre as versões é a inclusão de dados do fascículo e da paginação no arquivo). Ainda no ano passado, nós publicamos um texto de divulgação sobre este trabalho na Ciência Hoje, em colaboração com Pedro Paz, da Assessoria de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (onde Mário estava vinculado durante a maior parte dessa pesquisa). No link a seguir é possível acessar um arquivo PDF com o texto, intitulado "Automutilação como estratégia de sobrevivência".
Cauda de uma serpente da espécie Dendrophidion dendrophis, quebrada. Foto: A. C. M. Dourado. Fonte: scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-81142011000200002
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AutorHenrique C. Costa Histórico
January 2024
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