Não é segredo para ninguém que as serpentes despertam pavor em muitas pessoas. Isso ocorre nas mais diversas regiões do mundo e nas mais variadas culturas, e existe uma pitada de instinto aí, como se nos nossos genes estivesse gravado "cuidado com a cobra!". Afinal, embora a maioria delas seja inofensiva, evoluímos convivendo com algumas serpentes peçonhentas -- e, em certas regiões, também com grandes constritoras capazes de devorar uma pessoa. O problema desse medo inato é que ele pode nos levar a matar qualquer serpente, ou qualquer coisa que se pareça uma serpente, seja ela uma ameaça ou não. E esse comportamento acaba sendo reforçado também culturalmente. Então, ter um corpo serpentiforme, ou seja, parecido com o de uma serpente, apesar de inúmeras vantagens evolutivas, pode aumentar as chances do bicho ser morto por um humano. E foi isso que percebemos ao entrevistar pessoas que frequentam o Parque Municipal M’Boi Mirim, na cidade de São Paulo. O estudo acaba de ser publicado na revista científica Ethnobiology and Conservation (Etnobiologia e Conservação) e foi desenvolvido pela pesquisadora Jade Lima Santos enquanto estudante de graduação do professor Flavio de Barros Molina, em São Paulo, com minha colaboração. Setenta pessoas (35 homens e 35 mulheres) entre 18 e 67 anos de idade, preencheram um questionário com 16 questões. Quase todos já tinham visto uma 'cobra' antes, boa parte lá no parque mesmo. Só que ao verem fotos de sete animais serpentiformes, todos da nossa fauna e dos quais só um era uma serpente de verdade, 75% dos entrevistados identificaram errado os bichos, chamando uns que não são serpentes, de serpentes. Fotos apresentadas aos entrevistados. A) cecília, um anfíbio sem patas; B) cobra-cipó, uma serpente de verdade; C) minhocuçu, uma minhoca; D) cobra-de-vidro, um lagarto sem braços e com pernas bem reduzidas; E) calango-coral, um lagarto com patas, embora pequenas; F) escrivão-do-catimbau, um lagartinho sem patas; G) anfisbena ou cobra-de-duas-cabeças, um lagarto sem patas. O estudo analisou diversos outros pontos. Por exemplo, vimos que em geral, os entrevistados identificam um animal como uma serpente principalmente pela língua bifurcada, o corpo cilíndrico e coberto por escamas. De fato, essas são características que as serpentes possuem e são relativamente fáceis de se notar, mas não são exclusivas desses animais, o que acaba gerando confusão. Além disso, menos de 20% disseram que serpentes não têm patas e talvez isso explique porque quase todos chamaram o calango-coral (Diploglossus), um lagartinho com patas curtas, de serpente.
Notamos também que mais de 94% dos homens entrevistados e 74% das mulheres consideram as serpentes perigosas, embora um número menor tenha dito ter medo delas e só uma minoria disse que mataria uma cobra se encontrasse uma. Outro ponto positivo foi que a maioria das pessoas disse que as serpentes são importantes para o meio ambiente por serem predadores de animais que geralmente são considerados pestes, como ratos. Mas, ao mesmo tempo, mais de 60% disse não saber que há serpentes em risco de extinção. Em resumo, nosso estudo aponta que*, em geral: 1) a população não sabe diferenciar corretamente uma serpente de outro animal de corpo alongado; 2) a maioria das pessoas acha que serpentes são perigosas; 3) uma parcela importante das pessoas têm medo de serpentes. Juntando 1 + 2 + 3 temos a receita para que o encontro entre um humano e um animal serpentiforme qualquer tenha chances de acabar com o bicho morto. Por isso as atividades de educação ambiental e divulgação científica (no parque, na universidade, no YouTube, etc) seguem sendo muito importantes para mudarmos essa visão negativa sobre esses animais incríveis que rastejam por aí. * Há outros resultados, mas aqui resumi o que considero a essência do trabalho. PS: Essa é a segunda vez em que colaboro com uma pesquisa de etnozoologia envolvendo serpentes. A primeira vez foi um estudo publicado há 10 anos, em que analisamos o "relacionamento" das pessoas da região de Araponga, Minas Gerais, com as serpentes. Disponível aqui.
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Quando eu estava no final do meu doutorado na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a equipe da Ciência Hoje me procurou para eu responder a pergunta de um(a) leitor(a) sobre como os taxonomistas escolhem os nomes científicos dos seres vivos. Entre 2010 e 2017 eu escrevi uma coluna mensal no site da Ciência Hoje das Crianças justamente sobre taxonomia: O Nome dos Bichos. O primeiro texto da coluna foi justamente sobre algumas regras básicas da taxonomia zoológica. Na mesma época, a CHC decidiu publicar uma matéria na edição impressa sobre o mesmo tema, também de minha autoria, chamada "O batismo dos bichos". Mas, a pergunta enviada à Ciência Hoje "dos adultos" era mais abrangente. Não era sobre animais, mas sobre seres vivos em geral. E existem particularidades aí, por conta de diferentes códigos internacionais de nomenclatura. Pois é. Existem regras diferentes (às vezes bem diferentes) quando o assunto é 'batizar' um animal, uma planta ou um vírus, por exemplo.
A resposta à intrigante pergunta foi publicada na edição 345 da CH. O texto na íntegra, você pode conferir clicando aqui. |
AutorHenrique C. Costa Histórico
January 2024
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