Em fevereiro de 2022 foi publicada a atualização da lista de répteis do Brasil, na Herpetologia Brasileira, revista da Sociedade Brasileira de Herpetologia. "Ué, mas consta dezembro de 2021 no trabalho!". A verdade é que fechamos a lista em janeiro de 2022, o que atrasou a publicação do fascículo da revista.
Pouco depois da publicação, a "nova lista" ganhou destaque no site do Terra da Gente e no jornalístico Bom Dia Cidade, além dos portais da UFJF e UEMA. Eu também postei um apanhado geral sobre a lista no Twitter, mas acabei deixando o "blog de memórias" de fora, por causa da famosa "falta de tempo". Novidades Seguindo a últimas edições, a nova lista continua apresentando notas nomenclaturais (por exemplo, se uma espécie mudou de gênero, se uma subespécie foi elevada a espécie ou se descobrimos que a autoria ou a data de publicação de um nome vinha sendo citado erroneamente), detalhando os táxons incluídos (citando a fonte e se foi uma nova descrição, revalidação ou primeiro registro no Brasil) e os táxons excluídos (citando a fonte e se, por exemplo, foi uma reidentificação de material testemunho ou sinonímia entre táxons). Novamente, há textos sobre registros duvidosos e registros invalidados para alguma unidade federativa brasileira. E a primeira novidade: detalhamos os registros adicionados em unidades federativas. Listar e comentar tudo isso dá um enorme trabalho e foi um dos motivos da demora de quase 4 anos para publicação da lista (a última edição data de março de 2018). Mas, não foi só isso. Entre uma lista e outra eu passei pelo final do doutorado, entrei no pós-doutorado, depois fui aprovado em concurso para professor na UFJF e ainda veio a pandemia de covid-19. Renato Bérnils também teve suas questões pessoais e profissionais. Decidimos que era o momento de aumentar o time e chamar alguém que pudesse nos ajudar nesta empreitada. Convidamos a colega Thais Guedes, então professora e pesquisadora na Universidade Estadual do Maranhão. Thais chegou com ótimas ideias e botou a mão na massa, especialmente na construção da introdução do texto, na concepção e preparação de todas as figuras, o que trouxe não só qualidade, mas também um atrativo visual para o longuíssimo texto. A lista publicada tem nada menos que 170 páginas, incluindo seis figuras e quatro tabelas, duas delas imensas (uma listando os répteis de cada unidade federativa, e a outra trazendo o "nome completo" de cada táxon, o que inclui seu autor e ano de descrição). As figuras apresentam graficamente informações importantes, como o aumento do número de espécies de répteis do Brasil desde a primeira lista compilada pelo Renato Bérnils em 2005 até a nova lista, e de 1758 (início oficial da taxonomia) até a nova lista; a riqueza de espécies e subespécies de répteis (e de quelônios, jacarés, anfisbênias, lagartos e serpentes separadamente) para cada um dos 26 estados mais o Distrito Federal; a riqueza de espécies endêmicas em cada unidade federativa, incluindo o número de espécies endêmicas de cada unidade federativa; a procedência do holótipo de cada uma das novas espécies descritas desde 2018 e cujo holótipo foi depositado no Brasil; e a porcentagem de espécies ameaçadas, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente. Números* A lista anterior (2018) contabilizou 795 espécies de répteis. A nova lista contou, até dezembro de 2021, 848 espécies de répteis no Brasil, sendo 38 espécies de quelônios (tartarugas, cágados, jabutis), 6 de jacarés, 292 de lagartos, 82 de anfisbênias e 430 de serpentes. Nosso país tem a 3ª fauna de répteis mais rica do mundo, atrás apenas da Austrália (1121 espécies) e do México (995 espécies). A região Norte tem a maior riqueza geral de répteis do Brasil. São 450 espécies. Também tem mais serpentes e lagartos. Mas a região Centro-oeste é a única com as seis espécies de jacarés, enquanto a Nordeste possui mais anfisbênias ("cobras-de-duas-cabeças"). Se analisarmos cada unidade federativa (26 estados e o DF), Mato Grosso é campeão. São 292 espécies lá (mais do que toda a região Sul). Por que será? Além de ser um estado grande em área, o Mato Grosso tem Amazônia, Cerrado e Pantanal, ou seja, grande diversidade de ambientes. Bahia e Pará seguem em 2º e 3º lugar, com 277 e 276 espécies de répteis, respectivamente. Além da grande área, a Bahia tem Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica, enquanto o Pará tem diferentes "tipos" de Amazônia (florestas de terra firma, alagáveis, mais densas, menos densas...). Se considerarmos os grupos de répteis separadamente, temos padrões distintos. Por exemplo, o Pará é campeão em espécies quelônios, Mato Grosso e Rondônia têm mais espécies de jacarés, Bahia tem mais lagartos e anfisbênias, e o Mato Grosso tem mais espécies de serpentes. Outro dado bem interessante é que das 848 espécies de répteis do Brasil, 399 (47%) são endêmicas, ou seja, só existem aqui. Proporcionalmente, o grupo com mais espécies endêmicas é o das anfisbênias, com 79% das espécies brasileiras exclusivas daqui. E onde estão as espécies de répteis endêmicas do Brasil? A Bahia tem 168 delas, seguida por Minas Gerais (136) e São Paulo (89). Mas dessas 168 espécies endêmicas do Brasil que ocorrem na Bahia, 46 são exclusivamente baianas! Nenhum outro estado chega perto! Por isso, brincamos que a Bahia é a "Austrália brasileira", por causa da diversidade de répteis que só existe lá. Por que isso acontece? Provavelmente porque a Bahia tem muito lugar especial que favoreceu a evolução de espécies, como as dunas do São Francisco e a Chapada Diamantina. Desde a última versão da lista, algumas espécies de países vizinhos foram encontradas pela 1ª vez no Brasil, perto da fronteira. Mas a maioria dos acréscimos da lista foi de espécies novas, descritas por cientistas. Foram 50! Dessas, o 45 têm o Brasil como "localidade tipo". Será que ainda existem novas espécies de répteis a serem descobertas no Brasil? Sim! Um estudo de 2021 aponta nosso país como prioritário para descoberta de novas espécies de répteis. Apesar dessa riqueza toda de répteis no Brasil, 80 espécies eram consideradas ameaçadas de extinção quando a lista foi publicada (uma nova "lista vermelha" foi divulgada em junho de 2022, listando 71 espécies de répteis como ameaçados). E caso você esteja se perguntando qual a importância de sabermos isso tudo, a resposta simples é: a Política Nacional da Biodiversidade tem como um dos seus objetivos a "caracterização e classificação da biodiversidade brasileira" * Trecho adaptado de informações da minha própria autoria, publicados no Twitter. Futuro Pouco depois que uma versão da lista de répteis é publicada, eu começo a receber perguntas sobre quando uma nova edição será lançada. E a resposta geralmente é algo como "não sei, mas espero que dentro de um ano". Afinal, o trabalho da lista é grande e demanda tempo e atenção. E conciliar esta tarefa com o cargo de professor/pesquisador universitário no Brasil não é moleza. Por que não convidamos mais pessoas para ajudar? Eu posso mudar de opinião futuramente, mas hoje eu penso que a lista de répteis funciona bem com poucas pessoas trabalhando nela, porque chegamos a consensos de forma mais fácil e conseguimos dividir tarefas de forma mais eficaz. O que posso adiantar sobre o futuro da lista é: 1) depois de mais de 15 anos como coautor da lista (e à frente dela de 2005 a 2011), Renato Bérnils tomou a decisão de deixar o time; 2) já temos outra pessoa colaborando; 3) estamos conversando com a Sociedade Brasileira de Herpetologia para viabilizarmos uma lista mais dinâmica, seja no site da SBH ou em um site paralelo, onde atualizações serão divulgadas o quanto antes; 4) não sou utópico e acho difícil divulgarmos uma nova lista ainda em 2022.
Riqueza de répteis por Unidades Federativas do Brasil. Margem superior: todos os répteis [espécies (espécies+subespécies)]. Margem inferior: espécies registradas para os cinco grupos distintos de répteis (Testudines, Crocodylia, Amphisbaenia, Lagartos e Serpentes).
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AutorHenrique C. Costa Histórico
January 2024
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